Imagem #7

abr 8, 2021

Luzes da cidade
 
A cidade e o cinema são fatos sociais totais, defendem Alisson Gutemberg e Josimey Costa da Silva na abertura deste artigo. Frutos da modernidade, são “conjuntos imensos de fatos inter-relacionados de modo complexo, nos quais se mistura tudo o que constitui a vida social”. Sendo assim, o que acontece quando a cidade, onde o cinema nasceu, vai parar na tela? Aqui, São Paulo e Buenos Aires são analisadas como cinecidades, espaços simbólicos que derivam, segundo os autores, do entrecruzamento de aspectos reais, imaginários e fílmicos. Para tornar a análise objetiva, Gutemberg e Costa da Silva tomam Linha de Passe (Walter Salles e Daniela Thomas, 2008) e Elefante Branco (Pablo Trapero, 2012) como exemplos. “O que interliga esses espaços latino-americanos é a ambientação da metrópole em um cenário de crise causada por sua própria dinamicidade interna, onde a hiper-realidade cria um panorama distópico”, levando em consideração a violência urbana, a desigualdade social, a corrupção e o desemprego.

“Metrópoles em crise e formação de uma cinecidade nos cinemas brasileiro e argentino”
Por Alisson Gutemberg e Josimey Costa da Silva
Contemporanea (UFBA)
v. 16, n. 3, 2018

Linha de Passe (Walter Salles e Daniela Thomas, 2008).

Para além do humano
 
É o pensamento ecológico, desenvolvido pelas teóricas Anat Pick e Guinevere Narraway, que ilumina a análise de Mariana Cunha sobre Post Tenebras Lux (2012), de Carlos Reygadas. Diante da crise do antropoceno, a pesquisadora enxerga no filme do diretor mexicano a descentralização do humano em detrimento da assimilação de elementos não-humanos à narrativa. “Há uma construção do espaço como elemento que conecta natureza, paisagens, objetos, animais e humanos, revelando múltiplas subjetividades e criando um cinema de caráter imanente”, Cunha escreve. Para ela, Reygadas constrói essa atmosfera ao mobilizar estratégias estéticas específicas, como a falta de linearidade espaço-temporal e a duração dilatada dos planos da natureza. Na trama, Juan, casado com Natália e pai de Rut e Eleazar, é um homem de temperamento agressivo que, ao flagrar Siete, trabalhador que presta serviços ocasionais ao próprio Juan, assaltando sua casa, leva um tiro que o põe em estado terminal. A casa da família, por sua vez, está fincada no meio da floresta, o que dá margem à inserção de sequências que desorganizam a estrutura fílmica convencional. É quando, depois da escuridão, faz-se luz.

“Natureza, paisagem e afeto em Post Tenebras Lux de Carlos Reygadas”
Por Mariana Cunha
Famecos (PUC-RS)
v. 26, n.1, 2019

Post Tenebras Lux (Carlos Reygadas, 2012).

Testemunho de guerra
 
Neste texto, Marcelo Ikeda convida o leitor para conhecer a trajetória do diretor Rithy Panh, nascido no Camboja em 1964 e sobrevivente dos campos de trabalho forçado estabelecidos pelo Khmer Vermelho, regime totalitário do ditador PolPot. Refugiado na França, Panh estudou cinema, tornou-se cineasta e, desde então, vem se dedicando a uma filmografia interessada nos traumas do passado cambojano. Em A Imagem que Falta (2013), parte de suas memórias pessoais para promover uma reflexão que diz respeito ao país como um todo. Na pesquisa para o documentário, entretanto, o diretor localizou apenas imagens oficiais, fabricadas pelo regime totalitário para encobrir os fatos. Com a ausência de registros fidedignos e, portanto, uma crise de representação a ser solucionada, Pahn tem uma missão: encontrar imagens que não existem. Com bonecos de madeira e estrutura de argila, uma espécie de maquete é criada para ajudar a dar forma ao testemunho do diretor. Contra o horror da guerra, o lirismo da infância perdida.

“Em busca de uma ‘imagem crítica’: memória, ausências e dor em A imagem que falta, de Rithy Panh”
Por Marcelo Ikeda
Lumina (UFJF)
v. 12, n. 2, 2018


“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver…”

Clássico machadiano, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) foi adaptado para o cinema em 2001 pelas mãos de André Klotzel. Memórias Póstumas é a interpretação audiovisual do diretor, tendo os atores Reginaldo Farias e Petrônio Gontijo se revezando no papel do defunto autor. Interessadas nos processos que viabilizam uma transposição intermidiática como essa, Márcia Gomes Marques e Gedy Brum Weis Alves se debruçam sobre a obra de Klotzel para analisar o que foi preservado e o que foi preterido na adaptação. Para isso, argumentam que tal empreitada vai sempre levar em conta o contexto em que a mesma ocorre, manifestando, invariavelmente, aspectos socioculturais inéditos. “Se, por um lado, as supressões e as condensações podem ser vistas como perdas, por outro, ratificam a posição de que a obra adaptada constitui uma nova obra, fruto de uma intervenção criativa e de opções (relativas ao processo de leitura e de recriação, às interpretações e intencionalidades) na concepção da obra fílmica”, afirmam.

“Cinema e literatura: transposição intermidiática da história de um defunto autor”
Por Márcia Gomes Marques e Gedy Brum Weis Alves
Alceu (PUC-Rio)
v. 21, n. 42, 2020

Memórias Póstumas de Brás Cubas (André Klotzel, 2001).

Nas melhores livrarias

Bibliografia incontornável para pesquisadores da área, Mulheres de Cinema é uma coletânea de 22 artigos que explora obras de cineastas femininas nacionais e internacionais. Nesta resenha, Erika Amaral, além de apontar pontos importantes do livro, comenta sobre a lacuna que ele preenche, uma vez que publicações voltadas ao trabalho de cineastas femininas ainda não são uma constante no mercado editorial brasileiro. Em sua avaliação, Amaral destaca, entre outros, o artigo de Clarisse Alvarenga sobre identidades indígenas, gênero e cinema; o de Cecília Mello sobre a contribuição de mulheres ao cinema chinês; e o de Alessandra Soares Brandão e Ramayana Lira de Sousa sobre sexualidade, desejo sexual e produção de imagens pornográficas centradas no prazer feminino. Organizado por Karla Holanda, cineasta e professora do Departamento de Cinema e Vídeo e do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual (PPGCine) da Universidade Federal Fluminense (UFF), a coletânea foi lançada em 2019 pela Numa Editora.

“Mulheres de cinema e a escrita da história do cinema de autoria feminina”
Por Erika Amaral
Significação (USP)
v. 48, n. 55, 2021


Percepção de marca

O que pensam as mulheres sobre a representação feminina em comerciais de cerveja veiculados na TV? As pesquisadoras Renata Barreto Malta e Kívia Monique Rodrigues Da Silva foram atrás da resposta. Entrevistaram 16 participantes, entre 18 e 29 anos, residentes em Aracaju (SE) e divididas em quatro grupos: mulheres jovens, brancas, de classe A ou B; mulheres jovens, não brancas, de classe A ou B; mulheres jovens, brancas, de classe C ou D; e mulheres jovens, não brancas, de classe C ou D. Todas as 16 participantes foram expostas a comerciais de TV veiculados entre 2004 e 2013. Os comerciais foram categorizados por Coadjuvante, Escrava/Serviçal, Objeto, Protagonista, Sedutora, Segundo Plano e Igualdade de Condições, fazendo referência à maneira como a figura feminina é representada. Com metodologia rigorosa e geração de insights, este artigo apresenta conclusões consistentes, sem ignorar as nuances intrínsicas ao tema.

“Disparidades entre realidade e representação: a percepção das mulheres sobre a publicidade de cerveja”
Por Renata Barreto Malta e Kívia Monique Rodrigues Da Silva
Eco-Pós (UFRJ)
v. 22, n. 2, 2019


Ernesto Varela

Na São Paulo dos anos 1980, surgiu a produtora Olhar Eletrônico. Fundada por Fernando Meirelles, Marcelo Machado, Paulo Morelli e Beto Salatani, surfou na onda da segunda geração da videoarte brasileira. Além de trabalhos como Garotos de Subúrbio (1982), Brasília (1983) e Ali Babá (1984), a Olhar Eletrônico fez sucesso com Ernesto Varela, um intrépido repórter interpretado por Marcelo Tas. Acompanhado pelo cinegrafista Valdeci, inicialmente encarnado por Fernando Meirelles, foi a Cuba e Nova York, além de fazer especiais sobre o Rock in Rio 1985 e a Copa do Mundo de 1986. Irônico e provocativo, Varela registrava tudo em tom de documentário, mas com viés experimental, como convinha à videoarte que tentava subverter a programação televisiva da época. Sua estreia se deu na TV Gazeta, mas passou depois por diversos veículos. A pesquisadora Regilene Sarzi Ribeiro argumenta que a postura crítica de Ernesto Varela viria a influenciar programas futuros, como o CQC (Band) e o Tá no Ar: a TV na TV (TV Globo). Além disso, ao colocar a opinião do público entrevistado em primeiro plano, Varela antecipava a força da participação popular que, décadas depois, dominaria as redes sociais.  

“O vídeo independente brasileiro: crítica política na Olhar Eletrônico”
Por Regilene Sarzi Ribeiro
Significação (USP)
v. 46, n. 52, 2019

Ernesto Varela.