Imagem #9

out 17, 2021

Cartas cinematográficas

Eleito melhor filme pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Limite foi escrito e dirigido pelo jovem Mário Peixoto, então com 22 anos, em 1931. Filmado no município fluminense de Mangaratiba, é hoje considerado um dos primeiros filmes experimentais latino-americanos. Insistindo no cinema silencioso – enquanto o mundo já testemunhava o nascimento do cinema sonoro –, Peixoto teve que lidar com reações adversas na época do lançamento. Único filme realizado pelo diretor, permaneceu no ostracismo até ser redescoberto por cinéfilos décadas mais tarde. Neste artigo, Denilson Lopes permite ao leitor acesso a trocas de correspondências entre Peixoto e Octavio de Faria, amigo e, como se depreende, espécie de conselheiro. Escritas nos anos 1920 e 1930, as cartas revelam os bastidores da primeira exibição da obra, deixando ver a preocupação de Faria em fazer com que o filme galgasse recepção positiva. Diante de certa frustração por parte de Peixoto, o amigo escreve: “A maioria não entendeu, não foi sensível ao valor rítmico do filme – mas percebeu que era qualquer coisa de bom, de superior ao que podia compreender – que era cinema puro”.

“Mário Peixoto, Octavio de Faria e a invenção de Limite (1931)”
Por Denilson Lopes
Rebeca (SOCINE)
v. 9, n. 2, 2020

Limite (Mário Peixoto, 1931).

Estética pós-pornô

Um road movie pornô-lésbico-feminista. Assim ficou conhecido As Filhas do Fogo (2018), longa-metragem da argentina Albertina Carri. É dele que as pesquisadoras Érica Ramos Sarmet e Mariana Baltar partem para discutir “as principais estratégias de apropriação feminista e queer dos procedimentos e repertórios do campo da pornografia”, historicamente associado à heterocisnormatividade. Ao elaborarem sobre uma estética pós-pornô, as autoras argumentam que As Filhas do Fogo “congrega muitas das agentes das redes políticas e ativistas da chamada pós-pornografia latinoamericana, em performances que vão além do trabalho de atuação na obra, mas que se expandem para o gerenciamento de redes sociais das pornógrafas e o uso da internet como arena para uma construção dissidente que continuadamente imbrica obra, cotidiano e vida ativista”. O filme, nesse sentido, é o ponto de partida escolhido para se traçar uma genealogia do movimento pós-pornográfico, com ênfase na América Latina. Ao mesmo tempo em que o pós-pornô questiona a produção de imagens da pornografia hegemônica, ele se articula para potencializar encontros e ações intermidiais sobre corpo e desejo.

“Redes de deboche e excesso. Práticas performáticas no pós-pornô da América Latina”
Por Érica Ramos Sarmet e Mariana Baltar
Eco-Pós (UFRJ)
v. 24, n. 1, 2021


Globochanchada

Criada em 1998, a Globo Filmes está por trás da maioria dos sucessos comerciais do cinema brasileiro recente. Entre as categorias mais bem-sucedidas, a comédia de forte apelo popular vem sendo produzida como nunca – o que levou o diretor Guilherme de Almeida Prado a cunhar o termo globochanchada. Nos anos 1950, as chanchadas foram comédias musicais que seduziram a audiência. Nos anos 1970, ganharam viés erótico sob a alcunha de pornochanchadas. Dos anos 2000 em diante, com o selo Globo Filmes, vêm seguindo convenções do mercado para atrair o grande público. Em Se Eu Fosse Você (2006), considerada a epítome da globochanchada pela pesquisadora Roberta Gregoli, Helena (Glória Pires) e Cláudio (Tony Ramos) formam um casal que, por um inexplicável acontecimento cósmico, troca de corpo. A partir disso, surgem inúmeras situações cômicas que exploram questões de gênero e sexualidade. Embora conservador, uma vez que reafirma estereótipos já ultrapassados, Gregoli vê no filme brechas para problematizar identidade de gênero, algo raro em um produto nacional mainstream.

Se Eu Fosse Você: espaços limiares de gênero e sexualidade”
Por Roberta Gregoli
Significação (USP)
v. 48, n. 55, 2021


Sinfonia da cidade vigiada

Berlim – Sinfonia da Metrópole (1927), de Walter Ruttmann, e Um Homem com uma Câmera (1929), de Dziga Vertov, entraram para a história do cinema como obras emblemáticas sobre o desenvolvimento da cidade moderna. As chamadas sinfonias da cidade eram filmes centrados nos trens, nas avenidas, nas fábricas e na multidão urbana. No início do século XXI, o cineasta Harun Farocki retornou à tradição, mas para atualizá-la. Em Contra-música (2004), o cineasta alemão “parte da figuração da cidade de Lille, na França, para questionar a superfície visível do espaço urbano criada pelos novos recursos tecnológicos”, escrevem os pesquisadores Luís Flores e César Guimarães. Agora, ao contrário das sinfonias de Ruttmann e Vertov, “essa partitura contemporânea da cidade não se baseia mais na multiplicidade dos desejos e dos gestos humanos, e sim nas imagens que correm silenciosas nas veias de um organismo monitorado pelas câmeras que o perscrutam”. É a cidade das câmeras de vigilância que está em quadro. Neste ensaio, os autores analisam as escolhas de Farocki e como elas resultam em um filme crítico às “máquinas preparadas para domesticar o espaço e o tempo urbanos”.

“Uma sinfonia silenciosa: A cidade contemporânea segundo Harun Farocki”
Por Luís Flores e César Guimarães
Rebeca (SOCINE)
v. 9, n. 1, 2020


Animação cearense

Levantamento feito por Samantha Capdeville, Thaynara Arararipe, Marcio Pereira e Roberta Filizola mostra que sete longas-metragens brasileiros de animação foram lançados em 2017. Para efeito de comparação, nos 22 anos anteriores, apenas 18 filmes do gênero foram finalizados. O boom da animação contou com apoio direto de políticas públicas federais implementadas a partir dos anos 2000. Neste estudo, os pesquisadores apresentam as leis de incentivo e suas consequências positivas ao setor audiovisual, privilegiando o impacto delas no estado do Ceará. As séries Astrobaldo, da produtora Lunart, e Um Conto em Cada Ponto, da Tusche, ambas lançadas em 2017 e exibidas na TV O Povo, tornaram-se referência no mercado regional. Com isso em mente, os autores analisam “o desenvolvimento da animação cearense, no período compreendido entre os anos 2014 e 2018, seu impacto no contexto cultural da região e sua relação com as políticas públicas voltadas para o cinema nacional”. O texto destaca ainda o papel do Fórum Cearense de Animação (FOCA), criado em 2016 com o objetivo de representar e fortalecer a categoria.

“Política nacional de fomento ao audiovisual e o desenvolvimento do cinema de animação no Ceará”
Por Samantha Capdeville, Thaynara Arararipe, Marcio Pereira e Roberta Filizola
Passagens (UFC)
v. 11, n. 2, 2020

Astrobaldo (Lunart, 2017).

Hackeando o sistema

Para um jogo acontecer, há que se ter regras. Mas tão importante quanto é conseguir subvertê-las. Emmanoel Ferreira explica: “todo jogo deve ter suas regras, inequívocas, com base nas quais os jogadores irão elaborar suas ações; por outro lado, se as regras fossem completamente determinantes e prescritivas, não haveria espaço para a liberdade do jogador, resultando que todas as partidas de determinado jogo seriam iguais”. Em artigo, o pesquisador procura “compreender como jogadores podem extrair sentidos ao interagirem com determinado jogo, explorando ações que não foram desenhadas ou previstas por seus desenvolvedores”. O exemplo dado por Ferreira diz respeito ao episódio envolvendo a comunidade de jogadores de Halo: Combat Evolved. Em 2004, um deles colocou o desafio de fazer com que o protagonista Master Chief realizasse um salto entre duas torres no universo de som e imagem do jogo. A ação, por não estar prevista, parecia impossível; quase sete anos depois, foi executada. O fato é mobilizado para ilustrar até onde a liberdade lúdica do jogador pode levá-lo, abrindo “um rol de novas possibilidades de interação, novas experiências estéticas, novas produções de sentido”.

“O jogo não acabou: relações entre apropriação lúdica e produção de sentido nos videogames”
Por Emmanoel Ferreira
Famecos (PUC-RS)
v. 27, 2020


Vício e moralidade

Foi só na década de 1980 que a telenovela brasileira passou a dar algum destaque a personagens usuários de drogas. Para os pesquisadores Leandro Rodrigues Lage e Mariana Almeida, Heleninha Roitman, interpretada por Renata Sorrah em Vale Tudo (1988), marca esse ponto de virada. Dependente de álcool, depois dessa personagem até hoje lembrada, vieram outras, como Mel, vivida por Débora Falabella em O Clone (2001) e, mais recentemente, Larissa, que rendeu a Grazi Massafera uma indicação ao Emmy Internacional por Verdades Secretas (2015). Além de resgatarem a origem do melodrama e sua relação intrínseca com a teledramaturgia latino-americana, Lage e Almeida investigam como a construção melodramática da telenovela embasa uma abordagem moralizante do tema das drogas – lícitas ou ilícitas. “Nas ficções telenovelísticas, o usuário é, na maior parte das vezes, a vítima sofredora, com a droga atuando como catalisadora de um sofrimento profundo e que questiona os valores morais dos que a consomem: o personagem sofre porque foi fraco e incapaz de resistir à tentação da droga”. Ainda hoje, as tramas giram em torno do proibicismo total, o que não ajuda a complexificar o debate.

“Telenovela, melodrama e o sofrimento por drogadição”
Por Leandro Rodrigues Lage e Mariana Almeida
Contemporanea (UFBA)
v. 19, n. 1, 2021