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out 1, 2019

Representatividade importa

Das 193 animações levadas ao ar entre agosto e setembro de 2017 em dez canais de TV a cabo no Brasil, apenas 74 tinham personagens femininas em destaque. Desse total, somente 3% eram meninas negras – a maioria com tom de pele claro, cabelos longos e crespos ou encaracolados. Esses são dados levantados por Karina Gomes Barbosa e Francielle de Souza ao voltarem a atenção à representação de meninas negras em animações infantis. Neste artigo, as autoras relacionam gênero, raça, classe e faixa etária para investigar como essa representação se dá na tela. Para além da baixa representatividade, a análise levanta importantes discussões sobre a qualidade da abordagem da questão racial. Diante disso, o estudo quer saber: “Essa representatividade tem valor político ou é apenas uma forma de suprir demandas mercadológicas de inclusão das minorias que hoje tensionam de forma acirrada as representações e o consumo de produtos midiáticos?”.

“A solidão das meninas negras: apagamento do racismo e negação de experiências nas representações de animações infantis”
Por Karina Gomes Barbosa e Francielle de Souza
ECO-Pós (UFRJ)
v. 21, n. 3, 2018


Brasil na tela

No centro do debate político, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) vem tendo sua atuação questionada desde o início do ano. Neste detalhado levantamento, Kátia Santos de Morais esclarece o modo de funcionamento e o impacto sobre o mercado de uma das principais estratégias da Ancine para fomentar a produção audiovisual brasileira: a Lei da TV Paga. Em vigor a partir de 2011, a lei garante uma reserva de mercado para exibição de conteúdo nacional em canais de TV por assinatura no Brasil. Morais discute as especificidades da medida, compara com modelos implementados em outros países e analisa exibições na TV a cabo de projetos aprovados pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro (Prodav), braço do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). A pesquisadora toca ainda em temas fundamentais, como o papel do Estado na consolidação da produção independente e a necessária descentralização geográfica dessa produção.

“Cota de tela (Lei nº 12.485/2011) e a produção independente na TV paga”
Por Kátia Santos de Morais
Significação (USP)
v. 46, n. 52, 2019


O inferno é aqui
 
Para o filósofo italiano Giorgio Agamben, o conceito de estado de exceção refere-se a quando sociedades entram em “uma zona de anomia em que todas as determinações jurídicas estão desativadas”, cabendo então a um soberano controlar grupos sociais a partir de seu julgamento antidemocrático. Com isso em mente, a dupla Vinícius Fernandes Silva e Marco Bettine retorna a Terra em Transe, obra-prima de Glauber Rocha lançada em 1967, para analisá-la não só como comentário cinematográfico sobre a ditadura então instaurada no Brasil, mas como uma previsão do estado de exceção que estaria por vir. Os autores acreditam que o país vive em uma democracia tutelada pela violência do Estado, repleta de práticas de exceção, desde o fim do regime militar. Neste artigo provocador, convidam a uma reflexão sobre o colapso do atual estado democrático de direito. “A democracia atual é obra do regime militar”, afirmam.
 
“Brasil em transe: o estado de exceção permanente em Glauber Rocha e Giorgio Agamben”
Por Vinícius Fernandes Silva e Marco Bettine
Rebeca (SOCINE)
v. 7, n. 2, 2018

Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967).

Família tradicional brasileira
 
Em tempos de Instagram, qualquer pessoa munida de smartphone pode registrar e compartilhar sua vida íntima. Nos anos 1920, é de se imaginar, não era bem assim. Neste texto, Thais Continentino Blank investiga o surgimento dos filmes domésticos no Brasil daquela década. Se, nos anos 1910, o registro audiovisual era feito por profissionais, o que teria mudado quando a tecnologia passou a ser comercializada para a família burguesa? Em primeira análise, quase nada. Muitas das famílias que tiveram poder aquisitivo para comprar o equipamento caseiro já apareciam em registros oficiais. Além disso, revistas da época orientavam cinegrafistas amadores a replicarem o que os profissionais faziam: não filmar populares, negros e indígenas – um discurso higienista que se acreditava defensor de um Brasil “civilizado”. Indo mais a fundo, entretanto, Blank percebe que há “um espaço desviante no campo do cinema doméstico”, no qual aqueles que não deveriam ser vistos surgem na tela, revelando, ainda que timidamente, tensões no seio da sociedade burguesa.
 
“Cavação e cinema doméstico: rupturas e continuidades em imagens de família”
Por Thais Continentino Blank
Significação (USP)
v. 45, n. 50, 2018


Câmera queer
 
Como traduzir uma sensibilidade queer através do cinema? Se corpos queer experienciam os espaços e as relações que se estabelecem nesses espaços de modo distinto do normativo, como filmes poderiam transpor essa experiência à tela? Neste ensaio, Erly Vieira Jr. se propõe a comentar produções variadas, do brasileiro Madame Satã ao oscarizado Moonlight, com o intuito de mapear estratégias de câmera e som focadas em apresentar ao espectador situações e sensações próprias do universo queer. Ao fazer esse mapeamento, Vieira Jr. argumenta que os filmes trabalham em prol de conectar afetivamente os personagens na tela e os espectadores na sala de cinema. O autor analisa uma série de cenas em que a chamada câmera-corpo (a câmera como uma prótese, um prolongamento do corpo humano) explora momentos de intimidade e uma certa ideia de precariedade.
 
“Sensorialidades queer no cinema contemporâneo: precariedade e intimidade como formas de resistência”
Por Erly Vieira Jr
Contemporanea (UFBA)
v. 16, n. 1, 2018


Eu, tu, elas

Recentemente, fez barulho a estreia do documentário Democracia em Vertigem, de Petra Costa, na plataforma Netflix. Antes desse lançamento, no entanto, a diretora mineira já havia obtido êxito ao realizar o curta Olhos de Ressaca (2009) e os longas Elena (2012) e Olmo e a Gaivota (2014), multipremiados. Neste ensaio escrito a quatro mãos, Ana Catarina Pereira e Juslaine de Fátima Abreu Nogueira comentam sobre os três primeiros filmes de Costa, relacionando a subjetividade da cineasta a seu genuíno interesse pelo outro. Ao mobilizarem de Simone de Beauvoir a Michel Foucault, as autoras entendem Costa como uma diretora que reelabora a si mesma a partir da dimensão da alteridade, construindo, assim, uma relação entre o invididual e o coletivo através do cinema. A discussão ganha ainda mais força ao sublinharem como essa estratégia está associada à representação do feminino nos documentários.

“A reinvenção de si e a construção da alteridade perante o irreversível: o cinema de Petra Costa”
Por Ana Catarina Pereira e Juslaine de Fátima Abreu Nogueira
Revista Científica (UNESPAR)
v. 18, n. 1, 2018

Elena (Petra Costa, 2012).

“Isso aqui não é filme, não!”

12 de junho de 2000. Sandro do Nascimento sequestra um ônibus no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Quase dez anos depois, o episódio, que culminou na morte da refém Geísa Gonçalves e na do próprio sequestrador, permanece sob escrutínio. O pesquisador Gustavo Souza volta ao caso por meio do documentário Ônibus 174, dirigido por José Padilha e lançado em 2002. Sua análise fílmica tem como foco a tríade: trauma, narrativa e memória. Em linhas gerais, o autor defende a ideia de que o documentário constrói sua linguagem a partir do conceito de trauma cultural, ou seja, “o trauma como uma atribuição socialmente mediada” – no caso brasileiro, permeada por violência e marginalidade. Ao dissecar depoimentos e imagens de arquivo, Souza acredita que o filme joga luz sobre uma “memória indesejada” que dá a ver “uma vida no trauma”, como foi a de Sandro. Humanizá-lo (entendê-lo como agente, mas também vítima) faz avançar o debate sobre o que verdadeiramente dizem as imagens que produzimos sobre violência e marginalidade.
 
“Trauma, narrativa e memória no documentário Ônibus 174”
Por Gustavo Souza
Famecos (PUC-RS)
v. 16, n. 1, 2019


Novela das oito
 
A telenovela é um dos principais produtos da cultura audiovisual brasileira. Sua lista de clássicos é longa: Irmãos Coragem, Selva de Pedra, A Escrava Isaura, Dancin’ Days, Roque Santeiro, Vale Tudo… Embora memoráveis, nenhum desses títulos foi tão importante para a consolidação do gênero no Brasil quanto Beto Rockfeller (1968-1969, TV Tupi). Escrita por Bráulio Pedroso e dirigida por Lima Duarte, a novela abriu mão das tramas rocambolescas em voga nos anos 1960 para investir em histórias que espelhassem o cotidiano brasileiro. Mas não só isso. Como explica Daniela Jakubaszko neste artigo, Beto Rockfeller foi a primeira a captar o espírito da contracultura, tendo estreado um mês após o decreto do AI-5 pelo regime militar. Segundo Jakubaszko, a trama flertava com valores do Cinema Novo, do Cinema Marginal e, sobretudo, do Tropicalismo. O texto aborda esses e outros aspectos, além de questionar onde foi parar todo o experimentalismo que Beto Rockfeller levou ao ar de forma pioneira.
 
“Cenas de Beto Rockfeller: memórias de 1968, o ano que mudou para sempre o gênero telenovela no Brasil”
Por Daniela Jakubaszko
ECO-Pós (UFRJ)
v. 21, n. 1, 2018


Under his eyes
 
A modernidade prometeu um futuro que nunca chegou. Diante de guerras mundiais e desastres ecológicos, a própria ideia de progresso parece ter entrado em colapso. Previsões indicam um mundo distópico à espreita. Sucesso na plataforma de streaming Hulu, The Handmaid’s Tale retrata esse futuro terrível em que o sistema democrático foi engolido pela teocracia autoritária. Aqui, a distopia não especula sobre um porvir desconhecido; ao contrário, recorre aos valores medievais do passado para representar o caos. A dominação do homem sobre a mulher seria a base desta nostalgia reacionária, como apontam Felipe Borges e Isabelle Chagas. Neste estudo, a dupla está interessada em discutir como se configura a ideia de masculinidade nas duas primeiras temporadas da série, de que modo os jogos de poder são engendrados e que relações são estabelecidas. Se a catástrofe do porvir é um retorno ao medievo, a masculinidade seria o ponto nevrálgico da “distopia passadista” que é The Handmaid’s Tale.
 
“A men’s place: o passado como referência para o futuro das masculinidades em The Handmaid’s tale”
Por Felipe Borges e Isabelle Chagas
Galáxia (PUC-SP)
Especial 1 Dossiê Historicidades, 2019

The Handmaid’s Tale (Hulu).