A Terra do cinema
Com a virada do milênio, vieram à baila discussões em torno do Antropoceno, uma era marcada pelos impactos das atividades humanas sobre o planeta Terra. O cinema contemporâneo independente vem demonstrando interesse em articular estratégias estéticas em torno desse conflito. Neste artigo, Lúcia Ramos Monteiro toma como objeto o longa-metragem Still Life, do cineasta chinês Jia Zhang-ke, para investigar o que seria um cinema geológico. De saída, três aspectos caracterizariam a obra como um exemplar: o uso da longa duração, uma relação problemática entre o personagem e a paisagem na qual ele está inserido, e a visibilidade de fenômenos catastróficos ou meteorológicos. No filme, o espectador acompanha, ainda que como pano de fundo, a construção da barragem e da hidrelétrica das Três Gargantas, uma obra de engenharia de grande impacto socioambiental. A análise de Monteiro, entretanto, vai além do aspecto temático. “Procuro observar, sobretudo, a maneira como certos filmes favorecem uma percepção geológica, que coloca em xeque a centralidade do homem no cinema”, afirma.
“Por um cinema geológico: visibilidades possíveis para os tempos da Terra”
Por Lúcia Ramos Monteiro
Eco-Pós (UFRJ)
v. 23, n. 2, 2020
Norma Bahia Pontes
A literatura é pródiga em associar o Cinema Novo, movimento que redefiniu a arte cinematográfica brasileira nos anos 1960, a cineastas do sexo masculino. Nomes femininos como Helena Solberg, Gilda Bojunga e Ana Carolina aparecem ainda muito pouco em pesquisas relacionadas àquela década. Em artigo, Lívia Perez joga luz sobre a trajetória de Norma Bahia Pontes, cineasta, videomaker e ensaísta nascida na cidade de Salvador em 1941. Norma participou da gênese intelectual do Cinema Novo e dirigiu dois curtas-metragens no período. Quando exilou-se em Nova York nos anos de chumbo, sua obra sofreu uma guinada. Ao lado de sua companheira Rita Moreira, realizou onze vídeos afinados com o documentário experimental feminista norte-americano. “O afastamento de Norma, numa narrativa transnacional (do Brasil aos Estados Unidos), transmidiática (do cinema ao vídeo) e transteórica (sociologia marxista à teoria feminista) parte da conscientização da autora pela sua condição de mulher lésbica como ato político”, analisa Perez. É sobre essa jornada que a pesquisadora escreve neste texto.
“Do Cinema Novo ao vídeo lésbico feminista: a trajetória de Norma Bahia Pontes”
Por Lívia Perez
Rebeca (SOCINE)
v. 9, n. 2, 2020
Quem consegue curtir a vida adoidado?
Clássico das sessões da tarde, será que Curtindo a Vida Adoidado é tão inofensivo assim? Para o pesquisador Roney Gusmão, nem um pouco. Estrelado por Matthew Broderick, o filme de John Hughes foi lançado em 1986 em meio à cruzada neoliberal de Ronald Reagan. O então presidente dos Estados Unidos pregava a liberdade econômica em consonância com uma certa ideia de liberdade individual. Hollywood entendeu o recado. Neste artigo, Gusmão aponta as atitudes de Ferris Bueller, o adolescente que finge estar doente para ludibriar os pais e faltar à escola, como individualismo e hedonismo. “Esse discurso libertário pode estar associado aos valores em franca expansão no curso da política Reagan, principalmente porque o seu ideário neoliberal encontrou no discurso sobre liberdade o clichê para justificar a desregulação do Estado na economia”. Ao longo da análise, o pesquisador identifica o diretor da escola e os pais de Bueller como obstáculos ao prazer, servindo “de analogia à ação intervencionista do Estado, que, no discurso neoliberal, cercearia a liberdade de um novo tempo”. Gusmão questiona o comportamento do protagonista, uma vez que essa liberdade não parece acessível a todos.
“‘Curtindo a Vida Adoidado’: o hedonismo pós-moderno e a moralidade neoliberal da era Reagan”
Por Roney Gusmão
Significação (USP)
v. 46, n. 52, 2019
Masculinidade negra
Acreditando na interseccionalidade como uma espécie de sensibilidade analítica, Pablo Moreno Fernandes Viana relaciona raça, gênero e sexualidade para investigar a presença do homem negro na publicidade. Aqui, o foco recai sobre o segmento de beleza e higiene pessoal. Axe, Gillette, Old Spice e Rexona foram as marcas escolhidas para análise. Em seus canais do YouTube, chamou atenção o baixo volume de conteúdo produzido: apenas 13 vídeos tinham como alvo o público masculino. Onze desses vídeos continham pessoas como personagens. Desse total, oito apresentavam homens negros. Como protagonista, somente três. “O número de negros em condição de protagonismo é muito baixo quando comparado à média da população nacional e aponta para o racismo estrutural, que silencia e invisibiliza a inserção dessas pessoas nos processos de construção dessas narrativas”. A partir dos dados, Viana discute o conceito de masculinidade hegemônica, que privilegia o homem branco e determina um lugar específico ao homem negro.
“Onde está o homem negro na publicidade? Masculinidades negras no segmento de higiene pessoal”
Por Pablo Moreno Fernandes Viana
Contemporanea (UFBA)
v. 18, n. 3, 2020
A chegada do Globoplay
O Grupo Globo lançou seu próprio serviço de streaming em 2015. Na esteira do que os especialistas chamaram de efeito Netflix, o Globoplay desembarcou no mercado inspirado pelo amplo catálogo, esquema de assinatura, uso de big data e de olho nos algoritmos, assim como a gigante concorrente norte-americana. Parece ter conseguido. Os pesquisadores Marcos Meigre e Simone Rocha afirmam que o número de usuários do serviço brasileiro já é superior ao da Netflix no Brasil. Neste texto, os dois analisam a chegada do Globoplay ao novo ecossistema midiático audiovisual. Afirmam que a plataforma nasceu híbrida, misturando valores associados ao digital e à TV linear. Em um segundo momento, debruçam-se sobre Além da Ilha, o primeiro original Globoplay do catálogo, para detalhar o perfil da série escrita por Andrea Batitucci e Rosana Hermann. Se, por um lado, todos os dez episódios foram disponibilizados de uma só vez, como tornou-se prática no digital; por outro, a série parece ainda seguir um “modelo narrativo pautado em ganchos, recapitulações e didatismos típicos da TV linear”.
“O mercado brasileiro na era do streaming: original Globoplay no novo ecossistema midiático audiovisual”
Por Marcos Meigre e Simone Rocha
Culturas Midiáticas (UFPB)
v. 13, n. 2, 2020
Televisão levada a sério
Os estudos de televisão no Brasil ainda são poucos, se comparados àqueles desenvolvidos em outras áreas de pesquisa no campo da Comunicação. No intuito de mapear trabalhos dedicados a investigar a produção televisiva, um grupo de pesquisadores fez um levantamento pioneiro. Tendo como base o material apresentado nos encontros anuais da Associação dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), o levantamento identificou 67 artigos sobre a temática. São dois os principais eixos de investigação: perspectivas téoricas acerca da linguagem e abordagens ligadas à dimensão social da TV. O estudo elaborou ainda um ranking com os autores mais citados e as obras mais referenciadas. Na lista, um único brasileiro: Arlindo Machado. Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade (ECA/USP), é dele também a obra que aparece em primeiro lugar: A Televisão Levada a Sério, livro publicado em 2000.
“Estudos de televisão no Brasil: uma abordagem de autores/as e teorias”
Por Paula Guimarães Simões, Vera Regina Veiga França, Ana Karina Oliveira, Laura Antônio Lima, Lucas Afonso Sepulveda, Lívia Barroso, Maria Lúcia Afonso, Suzana Cunha Lopes, Maíra Lobato, Paulo Basílio, Clara Bontempo e Samuel Pereira
Contemporanea (UFBA)
v. 17, n. 2, 2019
Retroprojetando
Em 2018, a Galeria Capibaribe, do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (CAC-UFPE), sediou a 2ª edição da exposição coletiva Tramações: Cultura Visual, Gênero e Sexualidades. A artista visual e pesquisadora Luana Andrade participou com a ação artística Iniciativa Privada. Por dois dias, Andrade disponibilizou transparências e marcadores para transeuntes que se dirigiam ao banheiro disponível no local. A intenção era fazê-los transcrever palavras, frases ou outras inscrições que viessem a encontrar nas cabines. Em uma parede do lado de fora, retroprojetores exibiriam as lâminas-imagens. Estas seriam escolhidas pelo próprio público passante, em uma espécie de curadoria aberta. A partir da obra, dilemas sobre arte, vigilância, privacidade, gênero e sexualidade se entrecruzam. “Há de se levar em consideração que a suspensão de um regime de vigilância dentro dos banheiros públicos torna-o um lugar possível para abrigar múltiplas dissidências”, escrevem as autoras. O que a luz do retroprojetor tornou visível?
“Iniciativa privada: banheiros em projeção”
Por Luana Andrade e Luciana Borre Nunes
Pós (UFMG)
v. 10, n. 19, 2020