Imagem #11

abr 11, 2022

Estética do fragmento

Nascido em Gana, John Akomfrah migrou ainda criança com a família para a Inglaterra, após um golpe de Estado em seu país natal. Seus primeiros registros como cineasta datam dos anos 1980, quando ajudou a fundar o referencial Black Audio Film Collective. As imagens deram origem ao filme-ensaio As Canções de Handsworth (1986), no qual mistura conflitos raciais na cidade de Birmingham com registros de imigrantes que aportaram no Reino Unido do pós-guerra. É o uso brilhante que o artista faz do material de arquivo que interessa ao pesquisador Rodrigo Sombra. As imagens obtidas em acervos são articuladas para fazer pensar criticamente sobre “os vestígios da presença negra na cultural visual”. Para Sombra, “a relativa desobrigação do contexto, o esvaziamento de estrutura narrativa ou discursiva bem definidas, decorre de uma fé no fragmento, no renitente mistério das imagens cinematográficas”. O sentido político dessa estética do fragmento ganha análise robusta neste artigo publicado na ECO-Pós.

“Montagem e apropriação no cinema de John Akomfrah”
Por Rodrigo Sombra
ECO-Pós (UFRJ)
v. 24, n. 3, 2021

John Akomfrah em entrevista a TateShots.

Festivais na pandemia

“Assim como a crise de 1929 ou a Segunda Guerra fizeram, a Covid-19 marcará uma nova era do cinema. A reorganização de forças entre os players e a redefinição das formas de consumir, ver e sentir – transformações que estavam em curso, diga-se – passaram a ser involuntariamente postas em prática.” É com essa constatação da jornalista Ana Paula Sousa em matéria da Folha de S.Paulo que Eveline Stella de Araujo e Sabrina Demozzi abrem artigo sobre os impactos da Covid-19 nos festivais de cinema do Brasil. Por meio de questionário online respondido por entidades organizadoras de festivais, as pesquisadoras mapeiam as estratégias utilizadas para migrar os eventos presenciais à internet. Dados do Mapa de Mostras e Festivais e do Guia de Festivais Kinoforum também servem de base para a análise. Diante do material, Araujo e Demozzi se aprofundam em três aspectos: as adaptações exigidas à realização do festival no online, os modos de participação do público, e os desafios e ações já consideradas bem-sucedidas.

“COVID-19 e os impactos na produção de festivais de cinema brasileiros: estratégias cotidianas para migração online”
Por Eveline Stella de Araujo e Sabrina Demozzi
Rebeca (SOCINE)
v. 10, n. 2, 2021


Paisagem interior

Qual a diferença entre atmosfera, paisagem e espaço cinematográfico? A pesquisadora India Mara Martins não só procura responder a pergunta, como também aplica os conceitos à análise de Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009). Dirigido por Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, o filme acompanha uma viagem do geólogo Zé Renato (Irandhir Santos) pelo sertão nordestino. O protagonista, porém, nunca aparece na tela. É a sua voz, mesclando descrições geológicas e um relato íntimo sobre a mulher amada, que guia o espectador. “O nosso contato inicial é com as paisagens que ocupam o campo e a voz over no fora de campo”, explica Martins. “Apesar da exatidão na representação do mundo real, com a valorização de imagens de caráter quase documental, o filme de Gomes e Aïnouz inicialmente provoca um certo estranhamento porque se enuncia através de imagens de uma câmera subjetiva, que se referem ao ponto de vista do protagonista Zé Renato (…)”, o que vai adicionando novos sentidos àquela paisagem.

“A paisagem potencializando a atmosfera filmica em Viajo porque preciso, volto porque te amo
Por India Mara Martins
Contemporanea (UFBA)
v. 17, n. 2, 2019

Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, 2009).

Resistência e subversão

Neste artigo dedicado ao New Queer Cinema, André Luiz dos Santos Paiva reflete sobre a necessidade de encontrar novas metodologias científicas para investigar obras cinematográficas vinculadas ao movimento. Surgido nos Estados Unidos dos anos 1980, o New Queer Cinema questiona como cineastas retratam a população LGBTQIA+, quase sempre por uma visão heteronormativa. A fim de resistir a essa abordagem, o NQC propõe novas formas de representar a existência desse grupo social, deixando de lado as convenções. Os estudos queer, por sua vez, vêm também procurando teorizar sobre essa produção a partir de um outro aporte teórico-metodológico. “Este ‘estranho’ objeto, ou objeto queer, forçosamente reivindica formas outras de análise, metodologias suficientemente flexíveis para que a fluidez dos discursos que circulam neste cinema não tenham que ser empobrecidas por análises que limitam o espectro das obras (…)”, escreve Paiva. O pesquisador contribui ao debate trazendo o pensamento de Michel Foucault sobre produção de saberes, distribuição de poder e produção de subjetividades como alternativa.

“Visibilidades Queer no cinema e resistências ao poder: a genealogia como possibilidade metodológica na análise do New Queer Cinema
Por André Luiz dos Santos Paiva
Passagens (UFC)
v. 12, n. 1, 2021


Prazer visual e cinema narrativo

Escrito por Laura Mulvey em 1975, não é exagero afirmar que o ensaio Visual Pleasure and Narrative Cinema mudou a teoria do cinema para sempre. Foi a partir dele que discussões sobre gênero e sexualidade ganharam mais espaço tanto na pesquisa acadêmica quanto na crítica cinematográfica. No ensaio, a pesquisadora britânica relacionou psicanálise, semiologia e marxismo para desvendar o que está por trás da produção de imagens em uma sociedade patriarcal. Sob perspectiva feminista, Mulvey fez um ataque teórico à estrutura sexista que atinge a indústria audiovisual, propondo a construção de um novo cinema. Nesta entrevista concedida a Raphael de Boer em 2015, ela fala sobre seu texto mais famoso, seu filme Riddles of the Sphinx (1977) e seu livro Death 24x a Second: Stillness and the Moving Image (2005), entre outros tópicos. Antes da entrevista, José Gatti comenta a importância de sua obra no breve relato intitulado “Laura Mulvey: por um novo cinema, por uma nova espectatorialidade”.

“Novos modos de ver o cinema: um encontro com Laura Mulvey”
Por Raphael de Boer e José Gatti
Rebeca (SOCINE)
v. 7, n. 1, 2018

Riddles of the Sphinx (Laura Mulvey e Peter Wollen, 1977).

Escrava Isaura

Primeiro grande sucesso de exportação da TV Globo, Escrava Isaura foi ao ar entre outubro de 1976 e fevereiro de 1977 na faixa das 18h. Adaptada do romance de Bernardo Guimarães, a novela de Gilberto Braga obteve elevada audiência e transformou a atriz Lucélia Santos em estrela internacional. Neste artigo, Paula Halperin analisa a representação histórica do período escravocrata, traçando um paralelo com o projeto de identidade nacional encampado pela ditadura militar na década de 1970. Halperin tece comentários sobre questões de raça e gênero a partir de sequências específicas, ressaltando “as tensões presentes na história contada em Escrava Isaura e as distorções e obliterações da narrativa histórica sobre a escravidão, instituição central na construção do tecido social moderno brasileiro” (em tradução livre, pois o artigo foi publicado em inglês). Em simultâneo, a pesquisadora aborda ainda as diferenças entre o livro de Guimarães e o roteiro de Braga.

“Então ela é escrava? Escrava Isaura, história e identidade nacional”
Por Paula Halperin
Significação (USP)
v. 47, n. 53, 2020


Já viu esse meme?

Assistir a um programa de TV e depois comentar entre amigos. Com a internet, esse velho hábito passou a acontecer de modo sincrônico: um olho no episódio de uma série e o outro nas redes sociais. A conversa, além de se dar através de textões e vídeos, é regada a muitos memes. O estudioso Daniel Rios foi atrás de entender como eles surgem, circulam e impactam outros espectadores. Em seu recorte, Rios selecionou páginas privadas no Facebook de dois fandoms – grupos online de fãs – dedicadas a duas séries de sucesso global: Grey’s Anatomy (2005-) e Game of Thrones (2011-2019). Os memes analisados se encaixam, segundo Rios, em duas categorias: os intratextuais, que falam sobre a atração em si, e os extratextuais, focados no contexto histórico-cultural em que os próprios fãs estão inseridos. Marcados por humor, intertextualidade e justaposição, os memes “funcionariam como comentários para gerar sentido não apenas sobre o que assistem como também do mundo em que vivem”.
 
“Dinâmicas na circulação de memes em fandoms de séries televisivas”
Por Daniel Rios
Ação Midiática (UFPR)
n. 22, 2021